19 de outubro de 2010

Big Brother sem Câmeras

Por que a geolocalização instantânea é uma vilã não só à segurança e à privacidade, mas ao coração?

Senhoras e senhores, permitam-me voltar a falar um pouco de TI (Tecnologia da Informação, domínio da Sun Microsystems - hoje da Oracle - da qual fui estagiário e que me incentivou a iniciar esse blog).

Começamos a Era da Informação com a popularização da Internet e dos aparelhos portáteis. Pouco temos do que reclamar, pelo contrário. Mas o negócio está começando a tomar proporções que jamais imaginei.

O costume de estar conectado, que a tecnologia nos proporcionou na última década, é fantástica... desde que consigamos a informação que queremos! A impossibilidade disso, por qualquer motivo (como uma bateria de celular que acabou), nos traz MUITA ansiedade.

Agora, a tendência não é mais apenas poder contatar quem quisermos na hora que quisermos (de forma geral) pelo celular. Mas, quando a pessoa querida atende o aparelho, a pergunta crítica e constante "onde você está?" tende a deixar de ser necessária, pois eis que surge a geolocalização instantânea, onde os grandes exemplos são o Google Latitude e o Facebook Places.

"Scooby Doo??? Cadê v... ah! Aí está você!!!"

Repito: a tal pergunta tende a deixar de ser necessária. Não quero.

Mas isso não é positivo? Para si, para seu uso pessoal, sem dúvida é. Para o modo de utilização para o qual está sendo proposto? Duvido!

É lógico que cada um é livre para criar e utilizar os serviços que interessam para si. Mas tenho sérias ressalvas. Por causa da segurança? Isso é o de menos.

Imagine que você usa a geolocalização com a sua filha de 12 anos. Ao resolver dar uma olhadinha para ver onde ela anda, para saber se já dá para esquentar o almoço, você repara que ela está há uma quadra de distância da parada de ônibus de todos os dias naquele horário. Depois, ela não atende o celular. Você, coitado pai/mãe, já começa a entrar em estado de pânico, ansioso para saber o que está acontecendo! Caros pais: ela simplesmente resolveu conhecer a nova banca de revistas que acabaram de abrir e, lá, ela escolhia uma revista "teen" para ler no fim de semana. O celular, ela esqueceu de tirar do "silencioso" depois da aula.

Ou... Você acha que seu filho está demorando um pouco para chegar. Opa: "o que é que ele pensa que está fazendo na Vila do Fumo???". "Ai meu Deus, ele foi sequestrado!!!". Você já está chamando a polícia quando ele entra em casa. Você se pergunta: "Ué?". A explicação é imediata: "Mãe, pai, roubaram o meu celular". E você, então, pela primeira vez na vida fica aliviado com uma notícia ruim. Pena que o alívio dura pouco, porque você acaba de perceber que, nesse exato momento, o ladrão está tendo acesso à posição instantânea do seu cônjuge, bem como a de muitos da família e de amigos do seu filho.

E você, tendo sua posição relatada?

Você quer estar informado do paradeiro daqueles que mais ama, mas você não viveu a infância conectado a um geolocalizador. Volte à sua infância e adolescência (ou fique mesmo no "agora") e imagine-se conectado. À pedido - para não dizer a mando - de alguém da família. Eu me sentiria tão seguro, mas tão seguro, mas tão seguro... que chegaria a me sentir preso! E imagine-se, também, quando a bateria do celular acabar. Justamente quando começava a seção de cinema que você resolveu ir de última hora. Inseguro porque ninguém sabe onde você está? Ou preocupado com a preocupação causada aos seus pais?

"Por que ela tá parada naquele lugar??? Será que desmaiou???"
Por isso eu defendo, e insisto, numa tentativa de não deixar o mundo mais ansioso por informação do que já está, principalmente por informações à respeito de quem amamos e confiamos: usem a geolocalização para si, não para os outros. Não permitam que os vejam. Não peçam a ninguém para que sejam vistos.

Uma vez que eu o tenha convencido, resta ainda convencer as crianças de hoje que não vão ler isso aqui. Não cabe proibir. Cabe apenas, de alguma forma, mostrar que a geolocalização não é um brinquedo como jogar video-game o é. Pois é um brinquedo cujos personagens são reais e, por isso, vicia muito mais. Cabe, sim, dar o exemplo.

A dúvida sobre o exato paradeiro de alguém também é uma forma de "saudade". Pode ser que eu esteja, aos meus 22 anos, entrando para o grupo dos "velhos babacas", mas será por um nobre motivo: não deixar a tecnologia tomar o lugar do sentido das palavras "ética", "respeito" e "confiança".

No meu insucesso, no fim das contas, além de não conseguirmos mais prestar atenção nos nossos afazeres - e hobbies - por causa da sede da curiosidade, corremos o risco de chegar em casa e sermos recebidos com "o que é que você estava fazendo lá?", ao invés da boa acolhida que nos pergunta, com um sorriso: "Oi!!! O que você fez hoje???".


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